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terça-feira, 22 de junho de 2010

Apelidos


Hoje vi a Cobra Bonifácia. Estava saindo de uma agência bancária, enquanto eu aguardava na fila. Estudamos juntos durante o primário e, creio, parte do período ginasial. Tinha esse apelido por sobressair pela altura. Era garoto espichado, de ótimo gênio, mas criança não perdoa, logo trata de arrumar cognomes tirados de alguma particularidade e o menino alto virou Cobra Bonifácia, personagem de história em quadrinhos, publicada na década de 1970, se não me engano pela Revista Recreio.

Nessa época - como hoje - era raro algum estudante escapar sem um apelido, normalmente depreciativo. Não se empregava, ao menos no Brasil, o termo bullying, mas se tratava disso. Chamar repetida e intencionalmente alguém de balofo, zarolho, chicletão, pouca-sombra e uma infinidade de outros nomes, que passam pela fauna e flora brasileira, constituem, sim, violência psicológica, ainda que a molecada não atinasse para isso.

Um gordinho de pré-nome Rodrigo virou o Porcodrigo, um seu parelho de pré-nome Sebastião, o Porcobastian, uma garota afrodescendente transformou-se em Tiziu, um míope que usava óculos de grossas lentes, o Galo Cego, outro de largos quadris, o Bunda Big. Certamente nenhum deles apreciava as alcunhas desairosas e, por vezes, racistas.

Com a compleição física que a genética e Deus me deram, não fiquei incólume. Nanico, pintor de rodapé, entre outras designações empregadas para os verticalmente prejudicados me foram dirigidas às carradas. Outros apelidos foram circunstanciais.

Quando minha boca ainda era preenchida por dentição decidual, os chamados dentes-de-leite, aconteceu de certa tarde correr feito um mico na Praça da República, em Jaú, e como macaco que muito pula quer chumbo, espatifei-me no chão, quebrando boa parte dos incisivos centrais superiores, os dentes da frente. Devo ter ficado com a aparência de um roedor, pois o cognome que sobreveio foi Ratinho, que tive de suportar até que resolveram nascer os dentes permanentes.

Outro apelido circunstancial ocorreu por causa de meu finado pai. Enquanto datilografafa, com apenas os dois indicadores, em sua velha Remington, costumava emitir um som peculiar, gutural, parecido com um mugido. Amigos e primos que principiaram frequentar a casa paternal ficaram intrigados com aquele ruido. Tão logo souberam de que se tratava, passaram a zombetear. "Tem um boi aí?" Como invariavelmente saía em defesa do pai, foi a deixa. Virei Boi, Vaca e outros nomes relativos aos bovídeos.

Devo reconhecer que nem sempre figurei apenas como vítima. Fui autor de diversos apelidos dados a amigos e colegas de classe. Era nisso tudo em que pensava pouco depois de deparar com a Cobra Bonifácia, na agência. Os dois estamos ficando turdilhos, com fios brancos assomando as cabeças. Sorri internamente ao lembrar desses anos idos, fixei a vista em sua direção, a modos de cumprimentá-lo. Mas creio que ele não me viu. Ou preferiu não ver.

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