Advogados

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Feliz Natal

A despeito de todo o consumismo, da desagregação familiar, da hipocrisia, sempre tive muito carinho pelo período natalino. Remete-me à infância, aos jantares em companhia de meus pais, tios e primos, às leitoas assadas, tortas de frango, tender e peru. Faz-me lembrar as músicas, o presépio, a correria gostosa para montar a árvore com suas bolas multiformes e coloridas, a Missa do Galo na Matriz, a expectativa em receber os presentes... Estou saudoso.
Desejo a todos os leitores, amigos, parentes um Feliz Natal e um Ano Novo pródigo em realizações. Que Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador, nos proteja e abençoe.

Grande abraço

sábado, 20 de dezembro de 2008

Óbvio

Não sei se devo dar crédito a essas coisas de astrologia. Mas leio que meu signo tem como elemento o ar, que negativamente me faz disperso, nervoso mental e com uma comunicação truncada.
Por vezes demoro a aceitar o óbvio.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Amanhece

Amanhece novamente e o Sol irradia sua luminosidade ofuscante e crua nas ruas que descem por entre vales estreitos, bares e praças.

Um velho drogado tosse e cospe no esterco que as sombras deixaram em seu rastro. Talvez seja um domingo. Sempre se encontra um moribundo cuspindo e pigarreando num domingo.

Das casas pendem cortinas róseas e sujas, enquadrando, nas janelas, vultos gordos e amanhecidos. Uma velha simpática se precipita sobre o tanque e uma ibérica com um traseiro descomunal recolhe suas rendas do varal e canta comovida, com sua bocarra de réptil, uma ode qualquer.

O gari, ainda embriagado, reclama e maldiz sua vida e varre a sujeira, varre a vida, a sujeira e a vida e coça seu nariz remelento e pisa em sua própria condição nefasta e sorri com os dentes amarelados, um riso vazio.

Nas ruas centrais, ricas madames obesas e aerófagas cacarejam e mugem, sacolejando suas estrias em gargalhadas de lontra e as prostitutas sonolentas recolhem suas pernas para vendê-las logo mais, ao anoitecer.

Amanhece. As feras são soltas e os gritos se espalham entre buzinas e os carros. A vida sangra. O velho drogado lava suas mãos.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Com a sonda no bilau

Otto, nosso schnauzer miniatura, deixou a família sobressaltada por esses dias. Serelepe e contumaz bagunceiro, amanheceu amuado e com alguma dificuldade de locomoção. Parecia estar com dores. E estava.

Mobilizamo-nos e zarpamos com ele para a clínica veterinária, onde a Míriam fez a consulta e diagnosticou uma cistite, posteriormente confirmada por exame de urina. Seu xixi estava com coloração ambar, pH acima do normal e apresentava numerosos cristais de oxalato de cálcio.

Para coletar sua urina, o veterinário Chico, que é marido da Míriam, botou no cão uma mordaça, pediu que eu segurasse forte as patas, e meteu na uretra do bichinho uma sonda que me pareceu interminável. Cada quilômetro da cânula que entrava no bilau do Otto era uma aflição: só de imaginar ter de passar por aquilo me gelava o umbigo. Valha-me Deus! Fosse comigo, certamente daria uma dentada no calcanhar do Chico.

Mas o Otto comportou-se melhor que se poderia esperar. Foi devidamente medicado e já está arribando. Anda fazendo xixi por tudo e voltou a fazer suas bulhas. Felizmente.

sábado, 6 de dezembro de 2008

O esmalte

Soergui-me da cama resoluto. Respirei fundo, abri a porta do quarto, que dá acesso ao corredor, e perguntei de chofre à minha mulher e minha filha:

- Uma de vocês teria um esmalte para emprestar?

Jamais imaginei que de minha boca sairia tal indagação. Mas saiu. E com muita naturalidade, confesso.

A reação foi a melhor possível e logo chegou às minhas mãos um vidrinho de Risqué cor renda, discretíssimo, que teoricamente combina com qualquer roupa ou situação. Considerei apropriado. Talvez não me sentisse a vontade com uma cor muito viva, vermelha, por exemplo.

Iniciei a operação. Chacoalhei o vidrinho, abri, tirei o excesso do pincel e passei o esmalte por toda a extensão de uma verruga que surgiu em um dos dedos do pé esquerdo, no quarto pododactilo, para ser mais preciso. Foi uma orientação médica. A dermatologista queimou com ácido o tumorzinho por duas vezes e recomendou que eu aplicasse esmalte durante 20 dias para asfixiá-lo.

Desde então, me entrego diariamente à tarefa de assassinar, por asfixia, minha verruga. A barriga atrapalha um pouco na hora de pincelar o esmalte, mas como sou diligente, não desanimo. Quero vê-la morta a todo custo.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

O homem

O homem está lá todas as segundas-feiras, na praça, exortando os viventes que passam a se converter. Brada, vocifera, segurando a Bíblia aberta em uma das mãos. Tem a face vincada e faz sua preleção saltando de um lado a outro, os pés a sapatear sobre os mosaicos portugueses cobertos por merda de pombos.
As pessoas que transitam desviam do homem. Um que outro arrisca olhar em sua direção, mais por curiosidade. Talvez o vejam como alguém que incomoda. Ou um louco. A diferença é tênue. A maioria, entrementes, se encolhe, baixa a cabeça, atravessa ao largo, temendo, talvez, possa o homem enxergar em cada um os pecados e principie a enumerá-los publicamente.
Há também os que se familiarizaram com o homem, embora nada conheçam a seu respeito. Os aposentados, que passam o dia com os traseiros pregados nos bancos da praça, os engraxates, o sorveteiro, o funcionário da banca de livros espíritas. Nenhum deles têm uma informação precisa, não sabem se o homem é um pastor, um pagador de promessas, um santarrão, um extraterrestre. Apenas se habituaram com sua presença e com o timbre exaltado de sua voz.
O homem fecha a Bíblia, os pombos cagam, a mediocridade humana continua.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Muito Chato (conto)

Muito chato, tudo muito chato, minha vida está uma chatice, ela disse, correndo os olhos arregalados à sua volta. Estava visivelmente perturbada e desgostosa. No horizonte o céu assumira a cor do fogo, indicando que logo a noite cairia. Uma mordiscada no quibe, a boca perfeita, lábios desenhados pelo lápis do próprio Deus.
Não acredito mais em você, prosseguiu com um timbre nervoso. Como pude me enganar tanto! Na verdade, não acredito mais em nada, não espero mais nada. Olhei-a no fundo dos olhos verdes, os mais lindos sobre os quais me foi dada à ventura de pousarem os meus e minha voz saiu assim, meio tímida. Precisa deixar de fumar...
Ela ficou furibunda. Ralhou que eu era mestre em mudar de assunto. Nunca ouve o que digo, não me leva a sério, não passa de um canalha, vociferou, mirando-me com quase aversão. Você está equivocada, precisa se acalmar, tornei, já meio arrependido de ter deixado escapar um fonema. Qualquer palavra, fosse qual fosse, só conturbaria tudo. E costumo ser lacônico até para falar. De mais a mais, foi uma imprudência completa dizer que ela estava equivocada.
Nós definitivamente não combinamos, ela insistiu. Como era linda. Mesmo com a carranca de quem está pronta a escalpelar alguém, naquele rosto de traços europeus, possuía uma nobreza ingênita. Os movimentos eram decididos, duros por vezes, mas conseguia manter um aplomb de bailarina, por mais antagônico que isso possa parecer. Fiz a mão sinistra escorregar sobre a mesa e alcancei, timidamente, a carteira de cigarros. Mais de quatro mil e setecentas substâncias tóxicas, murmurei, só para dizer algo.
Homens são todos iguais: egoístas e imaturos. Por que se casam? – inquiriu. Você não tem profundidade nenhuma, não me acrescenta nada, constatou, a franja loira a cair-lhe sobre a testa. Tinha mãos firmes de artista que cria a vida com os pincéis e espátulas, falanges salientes. Ultimamente andava entusiasmada com as rosas e tulipas. Ficou lindo seu trabalho naquela leiteira, tornei, diplomático.
Ocorreu que, por um desses vieses que a vida se nos apresenta, meu tentame em mostrar-me hábil e delicado soou como insolência àqueles ouvidos tentadores e percebi que, se estivéssemos em um local diverso daquele, meu rosto talvez não escapasse ileso. Calamo-nos. Os olhos de esmeraldas estavam marejados. Meus dedos contornavam a xícara lascada. Lascas do que fomos, partículas de mercúrio espalhadas sobre o chão entre os cacos do termômetro, o porta-retratos quebrado, tudo irremediavelmente fendido.
Você é uma caixa fechada, ela deixou escapar. Não era a primeira vez que alguém fazia tal comparação. Certa vez até uma religiosa, de quem se dizia poder sentir as aflições das pessoas para então benzê-las, falou a mesma coisa. Uma caixa fechada. Nunca contestei, ainda que não soubesse de que forma aquilo se me aplica. Será que estou gordo?, pensei. Ela fitou-me de uma maneira que sempre temi, triste, apagada. E partiu. Os pastéis, os pastéis, ainda consegui dizer. Mas só restava um rastro de perfume.

Gengibrando

Li, recentemente, que o jornalista Ricardo Kotscho tentou, mas perdeu sua luta contra o vício do tabagismo. É uma batalha ingloria. Já ensaiei parar de fumar por diversas vezes. Em um tentame, consegui ficar 90 dias sem prender fogo num cigarro. Quase endoidei.
Para controlar a vontade de engolir fumaça, passei a mastigar pedaços de gengibre (Zingiber officinale) planta herbácea da família das zingiberáceas, muito popular como ingrediente do quentão. Comprava nessas casas de produtos naturais e, por algum tempo, fui tenteando. Na verdade, virei bicho-do-mato: não saia, não consumia nada alcoólico e dispensei um sem número de churrascos. A crise de abstinência me abateu sob a forma de pesadêlos e insônia. Também suava em profusão e minha irritabilidade chegou a níveis intolerantes.
Quando o fôlego já havia melhorado e o cheiro de cigarro passou a me incomodar, inferi que estava forte o bastante para sair da caverna. Meu retorno à noite se deu em companhia do amigo e ex-editor Mário Schwarz, grande figura, boníssima prosa e fumante. O resto é previsível. Fui gente até o quinto copo de cerveja. Olhei para o Mario, pedi-lhe um dos seus, que ele, sabendo da situação, negou, mas diante de tanta insistência acabou cedendo. Pronto. No dia seguinte, já estava de volta ao vício, com fúria titânica.
Não desisti da idéia de tentar parar novamente. Estou naquela perigosa idade do enfarto, 44 anos, sabe como é, né? Sem contar que os fumantes somos hoje olhados até com certa repugnância pelos outros viventes, fato que não me agrada nenhum pouco, confesso. Só não tomei a iniciativa ainda porque estou a estudar que outro vício porei no lugar do tabagismo, para não sentir nenhum vazio na alma.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Em vez da luta armada, a luta fecal

Defecando e andando é um dos textos que publiquei em Prosa Fiada e outros goles. Ele trata do caso inusitado de um sujeito que limpou os intestinos sobre um processo judicial, como forma de protesto. O homem havia sido condenado por porte ilegal de arma, mas não se conformava com a decisão. Fiz a cobertura jornalística do ocorrido e não resisti: transformei na crônica que segue:


Defecando e andando


A escatológica insurgência do escriturário Romildo Giachini Filho, que em junho de 2007 defecou sobre um processo judicial nas dependências da 5.ª Vara Criminal de Jaú, é sintomática. Ainda que a ação tipifique ato criminoso, embute um sentido de grande envergadura. Trata-se de um verdadeiro episódio de resistência popular e revela que os brasileiros estamos todos no limite, enfezados crônicos. Se a moda pega, em proporções epidêmicas, e todos resolvermos aliviar os intestinos sobre as desventuras que nos afligem, o País pode tomar um novo rumo. Algo que nem a guerrilha urbana, na época da ditadura, conseguiu.

Nada de revólveres, bombas caseiras ou coquetéis molotov. Vamos armar o povo com Lactopurga! Os protestos podem ganhar, isto é certo, um componente odorífero desagradável, mas de eficácia ímpar. Aos desmandos, ao descaso, à burocracia bancária, forense, regimental, empresarial, ao relógio de ponto, à CPMF, aos salários de fome, aos impostos absurdos, que se arriem as calças! O contribuinte não suporta mais tanta canalhice. E como o voto nem sempre se mostra um instrumento adequado para mudar o establishment, o laxante pode ser a solução definitiva.

Multado injustamente por um verdinho? Faça funcionar o grosso e o delgado! Esperando por mais de três horas pelo atendimento pediátrico no posto de saúde? Proponha uma evacuação intestinal coletiva nos corredores! Atendido de forma arrogante e malcriada por um funcionário público? Mostre a ele o poder do cólon e do reto! Indignado com as altas dos produtos nas prateleiras dos supermercados, com o preço dos combustíveis, com o valor do IPTU e com o famigerado IPVA? Estimule o movimento peristáltico e purgue, proteste!

A bem da verdade, todos temos, em nosso íntimo, um Romildo não manifesto. Mas vivemos tão contidos, a deglutir batráquios, a obtemperar, a suportar desaforos, a refrear atitudes, que acabamos pagando caro por tamanho exercício de paciência. Quem se rebela, por fim, é o organismo. Emoções represadas se transmudam em úlceras, síndromes de pânico, depressões, distúrbios gastrintestinais, nevralgias e até câncer. E como morrer não faz bem a ninguém, exceto ao dono da funerária, é hora de libertar o Romildo, desarrolhá-lo.

Sem violência, de forma pacífica e ordeira, o brasileiro pode e deve mostrar que ainda tem capacidade de se indignar. Alguma linguagem os governantes tem de entender! Depois de o poder público, personificado naquela bocoiola da Marta, recomendar contra a insatisfação que se relaxe e goze, o cidadão pátrio pode aproveitar a onda e extravasar de vez.
Se os protestos isolados não resolverem, pode-se pensar em uma grande caravana, uma incursão civil a Brasília. Mas, por favor, levem papel higiênico, que é para dar um ar politicamente correto à manifestação.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Na Bienal do Livro

A artista plástica Léa D’Ungaro Almeida Prado no lançamento que ganhou sotaque cultural e muitas homenagens ao marido, Zé Renato



O jornalista Eduardo Reina, do jornal O Estado de S. Paulo, foi quem prefaciou o livro do colega, o paulistano radicado em Jaú José Renato de Almeida Prado.


O editor João Scortecci, presidente do Grupo Editorial Scortecci, foi dar apoio incondicional ao autor José Renato de Almeida Prado

Lançamento de Prosa Fiada


O jornalista José Renato de Almeida Prado, de Jaú, lançou e autografou no dia 24 de agosto, na 20ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, seu livro de crônicas Prosa Fiada e outros goles, editado pela Scortecci Editora.
O livro, com 124 páginas, traz memórias, fatos pitorescos e devaneios do autor, de forma despretensiosa e bem-humorada. As crônicas cobrem um período que vai de 1986 até o presente e mostram que a mais simples história tem de estar sempre registrada.
“No livro há observações afiadas e sutis, reminiscências fascinantes e anedotas admiráveis”, escreveu o jornalista Eduardo Reina, do jornal O Estado de S. Paulo, que prefacia a obra. “Um texto impecável retrata um grande leque de personagens e lugares, sob o ponto de vista de um homem solidário.”
Segundo Almeida Prado, trata-se de um livro com histórias leves, outras nem tanto, mas todas com o único propósito de entreter. “Não tenho a pretensão de convidar ninguém a reflexões profundas acerca de nada”, diz. “São prosas como as que se contam na mesa de um bar.”
Paulistano radicado em Jaú, José Renato de Almeida Prado é jornalista e advogado e há 22 anos exerce a função de repórter, período também dedicado às crônicas, contos, artigos e outros causos.
Prosa Fiada e outros goles será lançado na sexta-feira, dia 17 de outubro, às 20h30, em Jaú, no General Bar, na Avenida Rodolpho Magnani, 613


Serviço:

Prosa Fiada e outros goles, de José Renato de Almeida Prado
Dia 17 de outubro (sexta-feira), a partir das 20h30
Local: General Bar – Avenida Rodolpho Magnani, 613, Jaú/SP



Trechos do livro:


“Na minha adolescência, o ritual de passagem para a vida adulta era menos complicado. Comumente se dava nos lupanares que ainda restavam em Bauru. A não ser que se tivesse uma fimose, era absolutamente indolor. E quando queríamos resgatar alguma prática ancestral, enchíamos o pote e arrumávamos uma briguinha aqui, outra acolá.”
(Da crônica Seres em extinção)


“Elymei era o nome da boneca gigante. Embora considerada antiga para um brinquedo, ainda estava conservada, malgrado as condições de abandono às quais fora submetida. Insistia em dar seu depoimento, mas os humanos pareciam não entendê-la. Repetia incessantemente que era vítima de um lar desestruturado e que sua dona premeditara sua destruição ao atirá-la nas águas barrentas do rio. Fui posta deitada no banco do acompanhante e quando fico na horizontal minhas pálpebras se fecham, relatava. Dormia, quando fui arrebatada! Abri os olhos estremunhada e, quando dei por mim, estava sendo arremessada. Por que não me ouvem?”
(Da crônica Equívocos)