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quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Em vez da luta armada, a luta fecal

Defecando e andando é um dos textos que publiquei em Prosa Fiada e outros goles. Ele trata do caso inusitado de um sujeito que limpou os intestinos sobre um processo judicial, como forma de protesto. O homem havia sido condenado por porte ilegal de arma, mas não se conformava com a decisão. Fiz a cobertura jornalística do ocorrido e não resisti: transformei na crônica que segue:


Defecando e andando


A escatológica insurgência do escriturário Romildo Giachini Filho, que em junho de 2007 defecou sobre um processo judicial nas dependências da 5.ª Vara Criminal de Jaú, é sintomática. Ainda que a ação tipifique ato criminoso, embute um sentido de grande envergadura. Trata-se de um verdadeiro episódio de resistência popular e revela que os brasileiros estamos todos no limite, enfezados crônicos. Se a moda pega, em proporções epidêmicas, e todos resolvermos aliviar os intestinos sobre as desventuras que nos afligem, o País pode tomar um novo rumo. Algo que nem a guerrilha urbana, na época da ditadura, conseguiu.

Nada de revólveres, bombas caseiras ou coquetéis molotov. Vamos armar o povo com Lactopurga! Os protestos podem ganhar, isto é certo, um componente odorífero desagradável, mas de eficácia ímpar. Aos desmandos, ao descaso, à burocracia bancária, forense, regimental, empresarial, ao relógio de ponto, à CPMF, aos salários de fome, aos impostos absurdos, que se arriem as calças! O contribuinte não suporta mais tanta canalhice. E como o voto nem sempre se mostra um instrumento adequado para mudar o establishment, o laxante pode ser a solução definitiva.

Multado injustamente por um verdinho? Faça funcionar o grosso e o delgado! Esperando por mais de três horas pelo atendimento pediátrico no posto de saúde? Proponha uma evacuação intestinal coletiva nos corredores! Atendido de forma arrogante e malcriada por um funcionário público? Mostre a ele o poder do cólon e do reto! Indignado com as altas dos produtos nas prateleiras dos supermercados, com o preço dos combustíveis, com o valor do IPTU e com o famigerado IPVA? Estimule o movimento peristáltico e purgue, proteste!

A bem da verdade, todos temos, em nosso íntimo, um Romildo não manifesto. Mas vivemos tão contidos, a deglutir batráquios, a obtemperar, a suportar desaforos, a refrear atitudes, que acabamos pagando caro por tamanho exercício de paciência. Quem se rebela, por fim, é o organismo. Emoções represadas se transmudam em úlceras, síndromes de pânico, depressões, distúrbios gastrintestinais, nevralgias e até câncer. E como morrer não faz bem a ninguém, exceto ao dono da funerária, é hora de libertar o Romildo, desarrolhá-lo.

Sem violência, de forma pacífica e ordeira, o brasileiro pode e deve mostrar que ainda tem capacidade de se indignar. Alguma linguagem os governantes tem de entender! Depois de o poder público, personificado naquela bocoiola da Marta, recomendar contra a insatisfação que se relaxe e goze, o cidadão pátrio pode aproveitar a onda e extravasar de vez.
Se os protestos isolados não resolverem, pode-se pensar em uma grande caravana, uma incursão civil a Brasília. Mas, por favor, levem papel higiênico, que é para dar um ar politicamente correto à manifestação.

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