Amanhece novamente e o Sol irradia sua luminosidade ofuscante e crua nas ruas que descem por entre vales estreitos, bares, cafés e praças em forma de feijões.
Um velho drogado tosse e cospe na manhã doente, nas poças, no esterco que as sombras deixaram em seu rastro. Talvez seja um domingo. Sempre se encontra um moribundo cuspindo e pigarreando num domingo.
Das casas pendem cortinas róseas e sujas, enquadrando, nas janelas, vultos gordos e amanhecidos. Uma negra simpática se precipita sobre o tanque e uma ibérica com um traseiro descomunal recolhe suas rendas do varal e canta comovida, com sua bocarra de réptil, uma ode qualquer.
O gari, ainda embriagado, reclama e maldiz sua vida e varra a sujeira, varre a vida, a sujeira e a vida e coça seu septo podre e pisa em sua própria condição nefasta e sorri com os dentes amarelados, um riso vazio de vingança.
As pessoas passeiam em bandos, montes de gralhas alegres, com seus trapos coloridos, as crianças saltam, gritam e as prostitutas sonolentas recolhem suas pernas para vendê-las logo mais, ao anoitecer.
Lentamente a cidade vai despertando, os primeiros veículos aparecem timidamente, rasgando o silêncio fúnebre e os sinos dobram nalgum ponto distante, chamando os pecadores e os zumbis, que se apressam em pulinhos graciosos em busca de suas doses semanais de alívio interior.
A manhã se firma com vontade e o velho drogado esmaga suas lêndias, enquanto observa o minúsculo engraxate oferecer seus serviços na calçada quente.
Há um aglomerar de transeuntes, grupos que se entregam a conversas virulentas, com olhos pétreos, remelentos. Um homem trajando paletó marrom e ostentando costeletas pegajosas, relata, com detalhes, as atividades amorosas que manteve na noite anterior.
Seres sem face, com sede precoce, bebericam no boteco da esquina, onde um gordalhão triste sorve, em uma só talagada, a cachaça amarga e gesticula para espantar os fedelhos melados de sorvete que o rodeiam e zombam e só descansam quando o bruto cai, se quebra e seus cacos são chutados pelo senado e o povo de Roma.
Na alameda, a mulher alta, com rosto de pêra, se insinua para o padeiro que parece não compreender o que ela pretende ou simplesmente não se deixou atrair por suas pernas de jaboticabeira.
Nas ruas centrais, ricas madames obesas e aerófagas cacarejam e mugem, sacolejando suas estrias em gargalhadas de lontra. Pamponeta-peta-perruge-peta-perruge-pe-tlim – brincam os petizes. O soldado infeliz abre os braços ao firmamento, orientando os vultos descerebrados que transitam entre melancias, pepinos e carrapatos da feira precária. Fiéis, infiéis, adúlteros e adulteras se liquefazem na saída do templo, com uma débil felicidade e tomam seus rumos incertos e vagos.
A manhã se esvai em raios multiformes, vestida pela tarde amena. Os cristãos estão amedrontados na arena e o garboso homem de toga branca baixa o polegar num gesto solene e premeditado. As feras são soltas e os gritos se espalham entre buzinas e os carros. A vida sangra. O velho drogado lava suas mãos.
14/11/1986
sábado, 5 de setembro de 2009
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