Minha Carteira de Habilitação traz que estou apto na Categoria C, que permite conduzir até pequenos caminhões utilizados em transporte de carga. Não obstante, tenho uma aversão enorme a dirigir veículos motorizados. Qualquer um. Enquanto a artrose não me pegar, confio mesmo é em minhas pernas e pés para me transportarem.
Está certo, está certo, admito. Aversão foi uma palavra inadequada. Verdade, verdadeira, sou vítima da chamada fobia de dirigir, que deve ter começado logo nos primeiros dias em que me vi com a carteira de motorista.
Emprestara um velho Fusca marrom de meu pai, para sair à noite, e ao tentar executar minha primeira baliza, na área central da cidade, acabei fazendo com que o carro abalroasse o veículo que se encontrava estacionado atrás. Nada sério, uma encostada, quase um beijo.
Havia muita gente na calçada e logo se formou uma platéia. Lembro-me de ter visto uma garota muito da chata gritando que eu permanecesse no local. Ela iria chamar o proprietário do carro. Mais pessoas se achegavam, pareciam brotar do asfalto. Estão todos rindo de mim, pensei, já em pânico. Houve, então, que em uma atitude de auto-preservação, engatei a primeira e volatilizei. Não porque pretendesse fugir à responsabilidade e, sim, porque precisava por um fim àquelas sensações corpóreas desagradáveis. Estava sucumbindo diante daquela multidão, dos risos, perdendo o controle.
Isso se deu há 27 anos e desde então nunca mais me atrevi a fazer uma baliza. Um divã talvez resolvesse tudo, mas não tive iniciativa para tanto. Continuei a dirigir, embora só o faça até hoje quando extremamente necessário. A falta de autoconfiança me impôs uma série de limitações e, não raro, só de pensar em assumir o volante provoca ansiedade, taquicardia, essas coisas. Não consigo ter familiaridade com as máquinas. Admiro-as por belas que algumas são, mas sempre olho com desconfiança. “Entro em vocês, mas não assumo a direção, nem adianta se insinuarem.” Tudo bem. Poderia ser pior: há pessoas que têm medo de banho, por exemplo.